SRTb/SP e atuação da fiscalização

Graduado em Direito no ano de 1986, especializou-se em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, tendo exercido a advocacia trabalhista até o ano de 1996, quando foi nomeado para o cargo de Auditor Fiscal do Trabalho. Atualmente atua junto à Coordenação do Projeto Estadual de Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho, da Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo.

O PAPEL DA AUDITORIA FISCAL DO TRABALHO NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DO DEVER PATRONAL PREVISTO NO ARTIGO 93, DA LEI Nº 8.213, DE 24/7/1991.

Olá, Pessoal!

Meu nome é Eduardo Halim José do Nascimento, sou Auditor Fiscal do Trabalho com atuação no Projeto Estadual de Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho e venho aqui para falar um pouco com vocês sobre o papel da Auditoria Fiscal do Trabalho, hoje vinculada ao Ministério da Economia, que assumiu as funções do extinto Ministério do Trabalho, à qual compete, dentre muitas outras ações, fiscalizar o cumprimento do dever patronal previsto no artigo 93, da Lei nº 8.213, de 24/7/1991, que estabeleceu a reserva de vagas de trabalho, nas empresas com 100 (cem) ou mais empregados, para pessoas reabilitadas da Previdência Social ou com deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I – de 100 a 200 empregados 2%; II – de 201 a 500 empregados 3%; III – de 501 a 1.000 empregados 4%; IV – acima de 1.001 empregados 5%.

Embora o referido artigo seja apenas um dentre os muitos dispositivos que integram a Lei nº 8.213, de 24/7/1991, que instituiu o Plano de Benefícios da Previdência Social, passou ele a ser conhecido como a “Lei de Cotas”, e, como tal, passarei a tratá-lo de agora em diante.

Reconhece-se que a “Lei de Cotas” inspira-se nos preceitos constitucionais que preconizam a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, a não discriminação, a igualdade, a liberdade de exercício profissional e no dispositivo que proíbe qualquer discriminação no tocante ao salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (artigo 1º, incisos III e IV, artigo 3º, inciso IV, artigo 5º, “caput” e incisos XII e artigo 7º, inciso XXXI, da Constituição Federal).

A inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho relaciona-se com o exercício pleno da cidadania, que tem no trabalho seu principal substrato; inexiste outra relação social de tamanha importância para a construção da cidadania.

O constituinte de 1988 procedeu à positivação de vários direitos fundamentais, com o intuito de dotá-los de maior efetividade, dentre os quais a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Assim foi que, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, multiplicaram-se no Brasil as normas de proteção às pessoas com deficiência, dentre as quais não poderiam faltar as que têm por finalidade proteger o trabalho dessa parcela da população, como é o caso do Decreto Legislativo nº 186, de 9/7/2008, por meio do qual o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), com atributos de norma constitucional, que em seu artigo 27, alínea “a”, proíbe “a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho”. Também merece destaque a recente Lei nº 13.146, de 6/7/2015, que instituiu a assim chamada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que em seu artigo 37 veio a estabelecer o dever de as empresas instituírem programa que promova uma efetiva inclusão da pessoa com deficiência no ambiente produtivo, atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho.

Pois bem.

Como dito antes, cabe à Auditoria Fiscal do Trabalho fiscalizar o cumprimento da obrigação patronal obrigação patronal prevista na “Lei de Cotas”, de preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) de seus cargos, com beneficiários da Previdência Social, reabilitados, ou com pessoas com deficiência, habilitadas. Vale notar que, de acordo com as diretrizes da Subsecretaria da Inspeção do Trabalho, a fiscalização desse tema integra, obrigatoriamente, projetos específicos em todas as Superintendências Regionais do Trabalho do País.

Estamos aqui tratando de uma – dentre muitas outras que existem – política destinada a corrigir distorções sociais mediante a fixação de cota e, como tal, deve ser vista como medida emergencial, paliativa e transitória e nunca como a solução definitiva para o problema, pois o que espera é que, com a evolução das relações sociais, as cotas venham a tornarem-se cada vez mais desnecessárias.

Até lá, porém, a manutenção da cota é fundamental.

A cota estipulada por lei para admissão de pessoas com deficiência indica que a sociedade brasileira, por meio dos legisladores eleitos, reconhece ter uma dívida histórica a ser resgatada com aquela parcela da população, a ela garantido a efetiva inclusão ao mundo do trabalho.

Sendo assim, a cota legal aqui tratada é reconhecidamente o principal instrumento de que dispõe a sociedade para garantir às pessoas com deficiência o acesso ao mercado formal de trabalho.

Entretanto, a criação da Lei, tão-somente, nada asseguraria não fosse a existência de uma eficiente fiscalização estatal.

No desempenho de suas funções, caso o Auditor Fiscal do Trabalho constate que a empregadora por ele auditada descumpre a cota de contratações imposta pela lei, deverá, como regra, lavrar o correspondente auto de infração, autuação essa que resultará na cominação de penalidade pecuniária à infratora, na forma de multa.

É que não se pode conceber a atividade fiscalizatória estatal sem a possibilidade de apenação do infrator.

A atividade da Auditoria Fiscal do Trabalho, tal como é exercida, é de notória relevância para a sociedade brasileira, valendo lembrar, a propósito, as palavras do Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho na 47ª Conferência Internacional, segundo o qual “A legislação trabalhista sem inspeção é mais um exercício teórico de ética que uma disciplina social obrigatória”.

Entretanto, e a despeito disso, cabe assinalar que o objetivo primeiro da Auditoria Fiscal do Trabalho, sobretudo no tocante ao sensível tema aqui tratado, é atuar como verdadeiro agente de transformação social, assegurando às pessoas com deficiência suas efetivas inclusões no mundo do trabalho. O que se quer com isso dizer é que as lavraturas de autos de infração e imposições de multas administrativas não são os fins em si mesmas, sendo tidas como recursos extremos destinados àquelas empregadoras que se negam a reservar parte de seus cargos para pessoas nas condições aqui tratadas.

Tanto é assim que, para as situações de maior dificuldade no cumprimento da norma, o artigo 627-A, da nossa Consolidação das Leis do Trabalho (a CLT), os artigos 27 a 29, do Decreto nº 4.552, de 27/12/2002 (que vem a ser o nosso Regulamento da Inspeção do Trabalho - RIT), a Instrução Normativa/MTb/SIT nº 133, de 21/8/2017, e as disposições da Seção IV, artigos 16 e 17, da Instrução Normativa/MTb/SIT nº 98, de 16/8/2012, prevêem e disciplinam o assim chamado procedimento especial para a ação fiscal, destinado à prevenção ou saneamento de infrações à legislação, que poderá ser instaurado pelo Auditor Fiscal do Trabalho quando esse concluir pela ocorrência de motivo grave ou relevante que impossibilite ou dificulte o cumprimento da legislação trabalhista por parte pessoas ou setores econômicos sujeitos à inspeção do trabalho.

O referido procedimento especial para a ação fiscal tem por finalidade, quando possível, a celebração do assim denominado Termo de Compromisso, nele pactuando-se prazo, na forma de cronograma, e condições para que a empregadora signatária cumpra a cota percentual de admissões dela exigida pela “Lei de Cotas”, Termo de Compromisso esse que, se cumprido, evitará a lavratura de auto de infração em desfavor da auditada.

Bem.

Algumas observações finais merecem que sejam feitas.

A primeira é a de que o pagamento da multa pela infratora não a isenta de futuras autuações em outras ações fiscais e novas multas por violação da mesma norma, uma vez que, na forma do disposto no artigo 26, do Regulamento da Inspeção do Trabalho - RIT, “Aqueles que violarem as disposições legais ou regulamentares, objeto da inspeção do trabalho, ou se mostrarem negligentes na sua aplicação, deixando de atender às advertências, notificações ou sanções da autoridade competente, poderão sofrer reiterada ação fiscal.

Vale lembrar que se trata aqui de infração que se renova no tempo, a cada mês de competência que se vinda sem o cumprimento da obrigação.

Também importa ressaltar que se encontra cada vez mais próxima a implantação plena de todas as funcionalidades do Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas, conhecido como “eSocial”, trazendo inúmeros benefícios para os empregadores, empregados e, claro, para os controles governamentais, dentre esses a maior efetividade na garantia dos direitos trabalhistas.

Outra observação: a base de cálculo da cota percentual de admissão de empregados com deficiência ou reabilitados da Previdência Social será o total resultante do somatório dos números de empregados mantidos pela empregadora em sua matriz, todas as filiais, setores de serviço, canteiros de obras, frentes e locais de trabalho, excluindo-se desse quantitativo o total de aprendizes contratados diretamente pela empresa e por ela informados ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), já que essa é uma outra cota e não pode haver sobreposição de cotas. Também deve ser excluída a quantidade de empregados aposentados por invalidez, uma vez que outros trabalhadores já foram contratados e ocupam os mesmos postos de trabalho, tudo isso conforme diretrizes fixadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, atualmente denominada Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério da Economia, que assumiu a atribuições do extinto Ministério do Trabalho.

Há diretriz no âmbito da Auditoria Fiscal do Trabalho que preconiza o estímulo à capacitação profissional das pessoas com deficiência por meio de suas contratações na condição de aprendizes. Essa diretriz materializa-se com a possibilidade de celebração, quando preenchidos os pressupostos normativos, do Termo de Compromisso, antes mencionado, estabelecendo-se o compromisso da empregadora de admitir aprendizes com deficiência na forma disposta no artigo 429, da CLT, hipótese na qual se poderá pactuar que a Auditoria Fiscal do Trabalho adiará a cobrança do preenchimento da reserva legal de vagas prevista na “Lei de Cotas” em igual número ao de aprendizes com deficiência contratados, enquanto perdurarem os cursos de aprendizagem desses, na expectativa de que, após a conclusão dos cursos, venham a ser admitidos por prazo indeterminado. É importante reafirmar: a pessoa com deficiência contratada como aprendiz não é computada para efeito de cumprimento da cota prevista na “Lei de Cotas”, mas a sua admissão poderá, mediante celebração do Termo de Compromisso, fazer com que a Auditoria Fiscal do Trabalho adie, em igual número, a cobrança da cota de contratações de pessoas com deficiência. Para esse fim, porém, não são aceitas contratações realizadas por entidades formadoras de que trata o artigo 431, da CLT.

Também é importante destacar que na forma da Nota Técnica nº 70/2018/DEFIT/SIT/MTb, não se reconhece eficácia à cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contendo disposição que implique alteração da base de cálculo, extinguindo-a ou restringindo-a, estabelecendo que, diante dessa situação, o Auditor Fiscal do Trabalho tomará as seguintes providências:

  1. adotará a legislação em vigor e não excluirá nenhuma função, cargo ou ocupação da base de cálculo da reserva legal de vagas prevista no art. 93 da Lei nº 8.213, de 1991;

  2. autuará por discriminação em razão da deficiência, caso seja usada a cláusula discriminatória que autorize a exclusão de funções/cargos da base de cálculo da reserva legal de vagas, podendo inclusive utilizar como elemento de convicção, para a autuação, eventuais documentos apresentados em processos administrativos; e

  3. em respeito à competência do art. 6º, XVII, b, da Lei 75/1993, o Auditor Fiscal do Trabalho deverá informar ao MPT acerca da existência de cláusula ilícita ou inconstitucional em instrumento coletivo de trabalho.

Também ressalto que no curso da ação fiscal a empregadora auditada deverá exibir ao Auditor Fiscal do Trabalho laudos emitidos por profissionais de formação superior na área da saúde para comprovar que os empregados admitidos enquadram-se nos parâmetros fixados no artigo 4º, incisos de I a V, do Decreto nº 3.298, de 20/12/1999, nas alíneas de "a" a "e", do inciso I, do § 1º, do artigo 5º, do Decreto nº 5.296, de 2/12/2004, e na Lei nº 13.146, de 6/7/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, em número suficiente para integralizar a cota percentual dela exigida pela Lei. A condição de empregado reabilitado deve ser comprovada com a exibição do Certificado de Reabilitação Profissional expedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Por fim, destaco que ao Auditor Fiscal do Trabalho também compete fiscalizar o cumprimento de normas voltadas para a acessibilidade das pessoas com deficiência nos ambientes de trabalho, a qualidade de suas inclusões e possíveis práticas discriminatórias.

Era isso!

Muito obrigado e estamos juntos!

Referências bibliográficas e complementares:

COSTA, Sandra Morais de Brito. Dignidade Humana e Pessoa Com Deficiência: Aspectos Legais Trabalhistas. 1ª Edição. São Paulo. Editora LTr. 2008.

JAIME, Lucíola Rodrigues e Carmo, José Carlos. A Inserção da Pessoa Com Deficiência no Mundo do Trabalho: O Resgate de Um Direito de Cidadania. 1ª Edição. São Paulo. MaxPrint Editora e Gráfica Ltda. 2005.

CLIBER, Caroline Melloni Moraes do Nascimento, Carmo, José Carlos e Gil, Marta Esteves de Almeida. A Inclusão de Trabalhadores com Deficiência na Construção Pesada. 1ª Edição. São Paulo. RG Editores. 2018.

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Constituição Federal.

Lei Federal nº 8.213, de 24/7/1991.

Lei Federal nº 13.146, de 6/7/2015.

Decreto Federal nº 4.552, de 27/12/2002 (Regulamento da Inspeção do Trabalho - RIT).

Instrução Normativa/MTb/SIT nº 133, de 21/8/2017.

Instrução Normativa/MTb/SIT nº 98, de 16/8/2012.

Nota Técnica nº 70/2018/DEFIT/SIT/MTb.