A mulher com deficiência e sua situação no mercado de trabalho
Dra. Cida Gugel
MARIA APARECIDA GUGEL é Subprocuradora-geral do Trabalho, tendo ingressado na carreira do Ministério Público do Trabalho em 1988. É a Vice Procuradora-geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Doutora pela Università degli Studi di Roma "Tor Vergata", Facoltà di Giurisprudenza, Autonomia Individuale e Collettiva, Roma, Italia. Presidenta da Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID, biênio 2019-2021 www.ampid.org.br
A MULHER COM DEFICIÊNCIA E SUA SITUAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO
Sou Maria Aparecida Gugel, membra do Ministério Público do Trabalho, escritora de artigos e livros jurídicos, e ativista em direitos humanos das pessoas com deficiência e idosas.
O objetivo dessa exposição que leva o título de A MULHER COM DEFICIÊNCIA E SUA SITUAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO é evidenciar a mulher com deficiência, tendo como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/LBI, além do capítulo de proteção ao trabalho da mulher da Consolidação das Leis do Trabalho. Ao me referir a estas normas direi apenas Convenção, LBI e CLT.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência se preocupa com a condição da mulher com deficiência. Ela reconhece no Artigo 6 que as mulheres e as meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação.
Destaque 1: A Convenção sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência ratificada pelo Brasil em 2009 tem natureza de norma constitucional porque seguiu o rito do art. 5º § 3º da Constituição da República para a sua ratificação.
Ao tratar da prevenção contra a exploração, violência e abuso, a Convenção no Artigo 16, afirma que as pessoas com deficiência estão mais expostas a riscos de sofrer violência, lesões, abusos, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração. Esses riscos podem estar em casa, no seio da família ou fora dela.
Por 3 vezes a Convenção pede providencias dos Estados para que levem em conta os aspectos relacionados a gênero e a idade das pessoas com deficiência, seus familiares e acompanhantes.
Sobre gênero, tenhamos em conta que se trata de uma construção social da diferença de sexos. O sexo se relaciona com a realidade biológica e a anatomia masculina e feminina. O gênero se refere à cultura que estabelece posturas e comportamentos definidos para homens e mulheres.
Devemos sempre questionar as posturas e os comportamentos direcionados para as mulheres quanto aos papeis que desempenham na sociedade, os gestos, a linguagem, as roupas, as profissões que devem adotar (por exemplo, a mulher deve somente escolher profissões que lhe permitem atender à casa e aos filhos?) (outro exemplo, quanto à maternidade, ela gera um filho e somente ela é quem deve cuidar dele? Ou compartilha esse papel com o homem?).
A LBI incorporou as preocupações da Convenção e diz claramente que a pessoa com deficiência deve ser protegida de toda forma de discriminação, sendo consideradas especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso com deficiência.
Destaque 2: A mulher com deficiência é especialmente vulnerável juntamente com a criança, o adolescente e a pessoa idosa (artigo 5º, Parágrafo único da LBI).
No rol de situações de vulnerabilidade está a discriminação em razão da deficiência, cuja incidência é grande nas relações de trabalho.
A discriminação nas relações de trabalho se manifesta sempre que há distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão do empregador com o propósito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento de sua condição de mulher com deficiência trabalhadora.
Destaque 3: Discriminar, induzir ou incitar, em razão da deficiência da pessoa é crime, punível com reclusão de 1 a 3 anos e multa.
A discriminação ficará caracterizada quando o empregador se recusar a conceder as adaptações razoáveis para cada caso em particular e o fornecimento de tecnologias assistivas, pois esses são elementos indispensáveis de acessibilidade para que a trabalhadora com deficiência demonstre a sua produtividade e a sua eficiência no desempenho de atividades.
Destaque 4: A adaptação razoável e a tecnologia assistiva são elementos de acessibilidade que junto a ela (a acessibilidade) compõem o rol de direitos do trabalhador com deficiência para poder desempenhar suas atividades no trabalho.
Várias são as hipóteses em que o empregador pode incorrer em discriminação em relação à mulher no trabalho:
adotar qualquer prática discriminatória e limitativa de acesso ao trabalho com base na condição de deficiência;
Destaque 5: é crime, punível com detenção de 1 a 4 anos e multa, obstar o acesso a qualquer cargo público em razão de sua deficiência; negar emprego, trabalho ou promoção em razão da deficiência - artigo 8º, da Lei nº 7.853/89.
exigir teste, exame, laudo, atestado ou qualquer outro procedimento que confirme a esterilização ou estado de gravidez da mulher trabalhadora;
controlar a natalidade ou instigar a esterilização;
Destaque 6: A lei n° 9.020/1995 diz que é crime discriminar em razão da condição de deficiência da pessoa, passível de pena de detenção de 1 a 2 anos de prisão e multa para a pessoa física do empregador, seu representante legal.
publicar anúncio de emprego preferindo homens, idade, cor ou situação familiar;
Destaque 7: A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha, sem qualquer restrição (artigo 34 da LBI)
recusar o emprego, a promoção na carreira ou a dispensa do trabalho em razão do sexo, idade, cor, situação familiar, estado de gravidez;
proceder revista íntima nas empregadas mulheres.
O empregador colabora com boas práticas e elimina a discriminação, quando:
cumpre a jornada de trabalho na forma da lei, respeita os intervalos de descanso, de refeição e repouso;
ajusta/reduz a jornada diária de trabalho, sem necessidade de compensação, para a trabalhadora com deficiência, mesmo sem cláusula coletiva;
ajusta/reduz a jornada diária de trabalho de seus empregados que tenham com filhos com deficiência;
ao se deparar com uma trabalhadora em situação de violência doméstica e familiar, mantém o vínculo de trabalho por até 6 meses e se for necessário o afastamento do local de trabalho - se for empregada pública deve ter acesso prioritário à remoção - Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/ 2006).
Eliminamos definitivamente a discriminação em relação à mulher trabalhadora com deficiência quando há, na prática, igualdade de oportunidades em relação ao homem trabalhador, e isto ocorre quando as condições de trabalho são justas e favoráveis e com igual remuneração para igual trabalho de homens e mulheres.
Destaque 8: O direito à remuneração por trabalho de igual valor, previsto na LBI, inspira-se na Convenção n° 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), compondo a base para a remuneração igual entre homens e mulheres.
Uma forma de vencer as múltiplas formas de discriminação, é assegurar que a mulher com deficiência alcance o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento.
Destaque 10: assegurar que a mulher com deficiência alcance o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento
O pleno desenvolvimento se alcança por meio do estudo, da preparação para o trabalho e para a vida independente.
O avanço das mulheres com deficiência ocorre se existem oportunidades iguais, ambientes acessíveis.
O empoderamento é autoconsciência da mulher sobre qualquer forma de opressão que tenha sofrido, a percepção e o correspondente poder que passou a ter para enfrentar e combater a desigualdade e a discriminação em relação a si própria e às demais mulheres.
O exemplo final que proponho para assegurar o pleno desenvolvimento, avanço e empoderamento da mulher com deficiência é o trabalho e o exercício dos direitos sindicais. O trabalho lhe traz independência financeira e o exercício de direitos sindicais lhe permitir colaborar, interferir mesmo na negociação coletiva, com a formulação de cláusulas coletivas de trabalho que favoreçam o desempenho de suas atividades de trabalhadora e de genitora. Por exemplo, criar uma cláusula coletiva que garanta a redução de horas de trabalho para que a mulher possa cuidar de filhos com deficiência, ou uma cláusula coletiva prevendo a redução de jornada de trabalho para a trabalhadora com deficiência de forma que ela possa cuidar de sua saúde.
Síntese:
Conforme vimos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e a Consolidação das Leis do Trabalho asseguram direitos às mulheres trabalhadoras com deficiência, porque percebem que a sociedade as expõem a múltiplas formas de discriminação.
A eliminação da discriminação, especialmente a discriminação em razão da deficiência, é fundamental para assegurar a igualdade de oportunidades nas relações de trabalho.
Destaque 11: A lei é clara ao apontar as hipóteses de discriminação.
A lei é clara ao apontar as hipóteses de discriminação.
Boas práticas podem eliminar a discriminação em relação às mulheres com deficiência, sobretudo se acompanhada de condições de trabalho justas e favoráveis e com igual remuneração para igual trabalho de homens e mulheres.
Referência
GUGEL, Maria Aparecida. Mulher com deficiência - medidas apropriadas para o seu desenvolvimento, avanço e empoderamento in Direitos Humanos no Trabalho pela Perspectiva da Mulher. ARAÚJO, Adriane Reis de; LOPES, Andrea Lino; GUGEL, Maria Aparecida; Coelho RENATA (Orgs.). Belo Horizonte: RTM Editora, 2019.